Quando a Fé Entra na Política: Riscos e Desafios ao Estado Laico

Quando a religião dita políticas, direitos civis sofrem. Veja riscos e estratégias para garantir um Estado laico

6/27/20256 min read

Publicado em: 05 de julho de 2025 — 15h30
Por Aldemir Pedro de Melo
🌐 Blog: Religião na Política

Religião e Política no Brasil: Impactos, Riscos e Caminhos para Preservar o Estado Laico

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Religião e política no Brasil sempre caminharam lado a lado, mas nos últimos anos essa relação ganhou força e intensidade.
Se por um lado a fé mobiliza milhões e influencia valores individuais, por outro, quando atravessa as fronteiras do espaço público, ela molda leis, políticas e a própria noção de democracia.
Ignorar essa conexão pode significar fechar os olhos para mudanças profundas nas estruturas de poder do país.
Hoje, decisões legislativas, campanhas eleitorais e até pautas econômicas sofrem influência direta de lideranças religiosas.
Essa proximidade não é exclusiva do Brasil, mas aqui ela se manifesta de forma singular, misturando a tradição católica histórica com o crescimento explosivo de igrejas evangélicas e pentecostais.
Religião e política no Brasil não são apenas tema de debate acadêmico: elas afetam diretamente a vida de milhões de pessoas, especialmente minorias e grupos que não compartilham das mesmas crenças.
Ao longo da leitura, você vai perceber que essa é uma questão que exige atenção, diálogo e participação ativa da cidadania.

Religião e Política no Brasil: Uma Relação Histórica e Presente

Religião e política no Brasil são indissociáveis quando se analisa a história do país.
Desde o período colonial, a Igreja Católica exerceu influência direta sobre decisões governamentais, educação e até mesmo sobre a definição de quem era considerado cidadão.
Durante o Império, o catolicismo foi a religião oficial do Estado. Ainda assim, o rompimento institucional não significou um afastamento real.
A Constituição de 1988 reafirma o princípio da laicidade, mas a prática mostra que líderes religiosos continuam a ocupar espaços estratégicos no Legislativo, no Executivo e até no Judiciário.

Essa influência aparece de forma concreta nas chamadas Frentes Parlamentares, que mobilizam votos e estruturam agendas conservadoras.
A Frente Parlamentar Evangélica reúne centenas de deputados, número suficiente para barrar ou aprovar projetos de lei de grande impacto social.
Esse poder legislativo é reforçado por campanhas eleitorais nas quais o apoio de líderes religiosos funciona como certificado de confiança para uma parte expressiva do eleitorado.

Dados do IBGE mostram que, em 2022, mais de 31% da população brasileira se declarou evangélica, enquanto 50,8% afirmou seguir o catolicismo. Essa distribuição demográfica explica, em parte, por que partidos e candidatos buscam o apoio institucional de igrejas (fonte IBGE).

A influência religiosa não se limita ao campo moral. Questões econômicas, ambientais e de saúde pública também entram na pauta, frequentemente subordinadas a interpretações doutrinárias.
O resultado é um cenário em que a fé, em vez de ser um elemento privado e inspirador, passa a atuar como força normativa no espaço coletivo.

O Cenário Internacional: A Fé como Ferramenta de Controle Social

O caso brasileiro não é isolado. Religião e política no Brasil refletem um fenômeno global no qual crenças religiosas exercem influência direta sobre instituições democráticas.
Em diversas partes do mundo, a fé mantém ou retoma espaço na formulação de políticas públicas, às vezes como força de coesão social, mas frequentemente como instrumento de controle.

Nos Estados Unidos, o lobby cristão conservador tem peso decisivo em decisões estratégicas. Um exemplo emblemático é a reversão do direito federal ao aborto pela Suprema Corte em 2022, uma vitória atribuída, em grande parte, à mobilização de grupos religiosos organizados e bem financiados.
Esse caso demonstra como a pressão de lideranças religiosas pode alterar direitos estabelecidos há décadas, impactando milhões de mulheres e reacendendo debates sobre autonomia individual.

No Oriente Médio, teocracias e democracias frágeis convivem com legislações baseadas em textos religiosos, resultando em violações sistemáticas dos direitos das mulheres e das minorias.

Esse movimento global aponta para um processo que cientistas políticos chamam de re-sacralização da política — a volta da religião como elemento central nas disputas democráticas.
Para o Brasil, observar esses exemplos não é apenas uma curiosidade acadêmica: é um alerta sobre o que pode acontecer se não houver resistência institucional e participação cidadã ativa.

Os Riscos Concretos: Quando o Sagrado Toma as Rédeas da República

Naturalizar a fé como critério para formular políticas públicas é abrir caminho para riscos concretos à democracia liberal. Entre as ameaças mais evidentes estão:

  1. Desmonte do Estado Laico
    Ao permitir que dogmas religiosos guiem decisões governamentais, enfraquece-se a separação constitucional entre Igreja e Estado, afetando a imparcialidade das instituições e abrindo espaço para favorecimento de grupos específicos.

  2. Supressão da Diversidade Religiosa e da Liberdade de Não Crer
    A hegemonia de uma religião pode suprimir outras crenças e o direito à não crença, criando exclusão e intolerância.

  3. Criminalização de Comportamentos Civis com Base em Dogmas
    Questões como aborto, casamento homoafetivo e uso de métodos contraceptivos passam a ser tratadas sob lentes religiosas, mesmo em sociedades pluralistas.

  4. Opressão Simbólica e Jurídica de Minorias
    Grupos LGBT+, comunidades indígenas e outras populações vulneráveis podem sofrer restrições de direitos com base em interpretações religiosas.

  5. Obscurantismo Institucionalizado
    A interferência religiosa pode resultar no enfraquecimento da ciência e da educação pública.

O perigo, portanto, não está na fé pessoal, mas em sua instrumentalização política, que transforma convicções privadas em normas coercitivas, afetando toda a coletividade.

O Estado Laico: Garantia de Justiça e Igualdade

Defender o Estado laico é garantir o direito de todos — crentes e não crentes.
O secularismo assegura que a política pública seja formulada com base em evidências científicas, respeito aos direitos humanos e na razão pública, e não em crenças particulares.
Ela impede que uma religião seja privilegiada, promovendo a convivência pluralista e a proteção das liberdades individuais.

Segundo o jurista André Ramos Tavares, "a neutralidade religiosa do Estado é condição essencial para a igualdade jurídica entre cidadãos" (TAVARES, 2022).

No Brasil, preservar a laicidade exige atenção constante. A presença de símbolos religiosos em repartições públicas, a realização de cultos em sessões legislativas e a influência de igrejas na elaboração de leis mostram que a neutralidade constitucional é frequentemente desafiada.

Experiências Históricas de Resistência à Interferência Religiosa

O combate à sobreposição entre religião e Estado não é recente. Ao longo da história, sociedades passaram por conflitos intensos para garantir a autonomia da política.

No século XVIII, o Iluminismo europeu consolidou a ideia de que governos devem se basear na razão e na ciência, e não em dogmas.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda à Constituição, de 1791, estabelece explicitamente a proibição de uma religião oficial, garantindo liberdade de culto e separação institucional.

No Brasil, a proclamação da República em 1889 instituiu a separação entre Igreja e Estado, marcando a ruptura com o catolicismo oficial. Ainda assim, a luta por um Estado laico efetivo continua, principalmente diante da influência crescente das igrejas no Congresso Nacional.

Considerações Finais: Fé, Democracia e Responsabilidade Cidadã

A fé pode inspirar valores nobres como solidariedade, compaixão e justiça.
Mas quando se transforma em ferramenta normativa do Estado, ameaça os fundamentos da democracia e restringe direitos de quem não compartilha da mesma crença.

Religião e política no Brasil precisam ser analisadas com senso crítico e participação ativa da sociedade.
Somente com esse discernimento será possível construir um Brasil mais justo, plural e democrático.

Perguntas Frequentes (FAQ)

1. Qual o papel da religião na política brasileira contemporânea?
A religião exerce influência direta nas decisões legislativas, mobiliza eleitores e estrutura frentes parlamentares com agendas conservadoras.

2. O que significa um Estado laico?
É um modelo em que o governo mantém neutralidade religiosa, garantindo liberdade de culto e impedindo que doutrinas religiosas interfiram nas políticas públicas.

3. Quais os riscos da interferência religiosa na política?
Erosão da democracia, retrocesso em direitos civis, manipulação eleitoral, criminalização de minorias e enfraquecimento da ciência.

4. Isso acontece só no Brasil?
Não. Países como Estados Unidos, Irã, Rússia e Polônia também enfrentam dilemas semelhantes.

5. É possível conciliar fé e democracia?
Sim, desde que a fé permaneça como orientação pessoal e não se torne norma para toda a sociedade.

Referências Bibliográficas (ABNT)

  • BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

  • TAVARES, André Ramos. Estado laico e liberdade religiosa. São Paulo: Saraiva, 2022.

  • MENDONÇA, Ricardo. Religião e política no Brasil: da Constituinte ao Congresso. Petrópolis: Vozes, 2015.

  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Demográfico 2022: Religião. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 2025.