Israel, Religião e Guerra: A Política do Conflito Justificada pela Fé
Entenda como a fé é usada para justificar guerras, ocupações e decisões políticas em Israel. Análise crítica e fundamentada.
6/5/20255 min read


Quando a Fé se Torna Arma: O Uso Político da Religião no Conflito Israel-Palestina
Por Religião na Política
Introdução
A interseção entre fé e política é uma das dimensões mais controversas do cenário internacional. Em nenhum lugar essa sobreposição se manifesta de forma tão complexa e intensa quanto no Oriente Médio — especialmente em Israel. A convicção de que certas terras foram prometidas por Deus ao povo judeu sustenta não apenas uma identidade nacional, mas também decisões de Estado que reverberam em conflitos prolongados, deslocamentos forçados e divisões globais.
Este artigo examina como a religião tem sido usada para legitimar políticas de expansão territorial, operações militares e restrições severas sobre populações palestinas. Também discutiremos os impactos humanitários, as críticas internacionais e o debate ético que esse tema suscita.
1. As Raízes Históricas da Religião como Fundamento Político
A origem do Estado de Israel, em 1948, está profundamente ancorada em narrativas bíblicas que remontam à aliança entre Deus e Abraão. Trechos como Gênesis 15:18 – “À tua descendência darei esta terra” – são frequentemente invocados como base moral e histórica para reivindicações sobre regiões disputadas.
Durante o século XX, o sionismo laico e o sionismo religioso caminharam lado a lado. O primeiro tinha foco político: garantir um lar seguro ao povo judeu após séculos de perseguição. Já o segundo sempre enxergou a volta à “Terra Prometida” como cumprimento de profecias antigas. Com o tempo, essa vertente religiosa ganhou força, especialmente após a Guerra dos Seis Dias (1967), quando Israel ocupou Jerusalém Oriental, Gaza e a Cisjordânia.
Essa visão messiânica se tornou combustível político. Movimentos religiosos nacionalistas passaram a defender que nenhuma concessão seria legítima, pois equivaleria a renegar uma dádiva divina. Assim, a fronteira entre fé e política se dissolveu, consolidando uma narrativa que hoje justifica assentamentos e bloqueios prolongados.
2. Narrativas de Eleição Divina e Coesão Nacional
O discurso de que os judeus são um “povo escolhido” fortalece o sentimento coletivo de propósito histórico. Essa retórica oferece três vantagens políticas:
Unidade interna: Em um país marcado por divisões ideológicas, a fé cria um elo simbólico entre diferentes grupos judaicos.
Justificação moral: A ocupação de territórios passa a ser apresentada como missão sagrada.
Conexões externas: Comunidades cristãs evangélicas, especialmente nos Estados Unidos, abraçam essa causa como cumprimento de profecias bíblicas.
Essa instrumentalização não é nova, mas ganhou novo fôlego na última década. Entre 2009 e 2023, governos de perfil conservador e religioso intensificaram o apoio à expansão de assentamentos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, citando passagens como Deuteronômio 7 e Números 33.
3. Quando Religião se Converte em Instrumento de Guerra
A fé, por sua própria natureza, evoca sentimentos profundos de identidade e destino. Quando essas crenças são aplicadas a decisões militares, surgem consequências dramáticas.
3.1 Operações de Segurança e Retórica de Guerra Santa
O governo israelense argumenta que ofensivas militares contra Gaza ou bloqueios prolongados são atos de autodefesa. No entanto, grupos nacionalistas religiosos frequentemente utilizam passagens bíblicas para dar legitimidade espiritual a esses ataques. A retórica de que “Deus protegerá Israel” alimenta tanto a opinião pública interna quanto o apoio internacional de aliados religiosos.
O resultado é um cenário de sofrimento humano: milhares de mortos, destruição de infraestrutura básica e escassez crônica de recursos.
3.2 Expansão de Assentamentos e a Lógica da Terra Prometida
Entre 2010 e 2024, o número de colonos israelenses na Cisjordânia ultrapassou 450 mil, segundo dados da ONU. Cada novo assentamento é apresentado por setores religiosos como parte do retorno messiânico à Terra de Israel. A desapropriação de terras palestinas e o deslocamento forçado de famílias geram indignação global, mas permanecem sustentados por uma retórica que mistura profecia com políticas públicas.
4. Impactos Humanitários Prolongados
A instrumentalização religiosa não afeta apenas fronteiras diplomáticas — atinge a vida cotidiana de milhões de pessoas:
Deslocamentos forçados: famílias inteiras obrigadas a abandonar casas e vilarejos.
Escassez de serviços essenciais: bloqueios dificultam o fornecimento de água, energia elétrica e medicamentos.
Radicalização: o sentimento de injustiça alimenta grupos extremistas dos dois lados.
Trauma coletivo: crianças crescem em ambientes de violência, sem perspectiva de paz duradoura.
Esse ciclo perpetua a violência e fecha espaços de diálogo.
5. O Debate Ético e a Reação Internacional
A ONU e organizações como a Human Rights Watch classificam a expansão de assentamentos como violação do direito internacional. Relatórios apontam restrições desproporcionais à circulação de palestinos, destruição de propriedades e limitações severas a direitos básicos.
Países europeus e parte da opinião pública global têm intensificado críticas, mas os Estados Unidos continuam a oferecer apoio militar e diplomático substancial. O peso político do lobby pró-Israel em Washington, somado ao apoio de lideranças religiosas cristãs, garante respaldo estratégico.
A contradição central é evidente: defender liberdade religiosa e democracia enquanto se perpetua um sistema de ocupação territorial e restrições civis.
Para acessar os relatórios mais recentes, consulte os sites da ONU – Escritório de Direitos Humanos para a Região do Oriente Médio e Norte da África e da Human Rights Watch – Israel e Palestina.
6. Caminhos para Uma Abordagem Ética
Superar esse cenário exige coragem política e compromisso genuíno com os princípios universais de dignidade humana. A própria tradição judaico-cristã contém ensinamentos que podem fundamentar uma política diferente:
Isaías 1:17 – “Aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido.”
Mateus 5:9 – “Bem-aventurados os pacificadores.”
Recuperar essas dimensões espirituais de compaixão pode abrir espaço para iniciativas de reconciliação, acordos de paz sustentáveis e respeito mútuo.
7. Como a Comunidade Internacional Pode Contribuir
Apoiar iniciativas de diálogo inter-religioso.
Fortalecer missões de monitoramento de direitos humanos.
Oferecer incentivos concretos para o respeito ao direito internacional.
Promover educação para a paz em comunidades judaicas e palestinas.
Considerações Finais
O uso da religião como justificativa para políticas militares e expansão territorial revela uma crise ética profunda que ultrapassa fronteiras nacionais. Embora esse discurso fortaleça alianças estratégicas, ele aprofunda divisões, intensifica o sofrimento humano e dificulta a construção de uma paz duradoura.
Organizações internacionais, como a ONU e a Human Rights Watch, vêm documentando essas práticas e clamam por respeito ao direito internacional e aos direitos humanos fundamentais (veja os relatórios mais recentes aqui e aqui).
A paz genuína será alcançada quando a fé deixar de ser instrumento de poder e controle, retornando a seu papel original como fonte de empatia, justiça e reconciliação. Esse caminho exige responsabilidade histórica, coragem moral e compromisso de líderes políticos e cidadãos — um chamado à reflexão para todos que desejam um futuro de convivência pacífica e digna.
FAQ — Perguntas Frequentes
1. Qual o papel da religião no conflito Israel-Palestina?
A religião é usada para legitimar reivindicações territoriais, políticas de expansão e ações militares, tornando-se um elemento central na dinâmica do conflito.
2. Por que os assentamentos israelenses são controversos?
Eles são vistos como violações do direito internacional, deslocam famílias palestinas e são justificados por narrativas religiosas que afirmam direito divino sobre a terra.
3. Como a comunidade internacional reage a esse uso político da religião?
Organizações internacionais criticam as práticas e pedem respeito aos direitos humanos, enquanto alguns países, como os EUA, mantêm apoio político e militar a Israel.
4. Existem caminhos para resolver o conflito com base na ética religiosa?
Sim, princípios de compaixão e justiça presentes nas tradições judaico-cristãs podem fundamentar iniciativas de paz e reconciliação.
Autor: Aldemir Pedro de Melo
Blog: Religião na Política
Publicado em: 01 de julho de 2025
Horário: 16h37
Análise
Explorando a relação entre fé e política.
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