Fé ou Estratégia? A Religião nas Eleições Americanas
A fé é usada como estratégia eleitoral nos EUA. Veja como isso molda a política e a sociedade americana.
6/5/20257 min read


Quando a Fé Vira Cabo Eleitoral: A Influência da Religião na Política dos EUA
Por Aldemir Pedro de Melo
Publicado no blog Religião na Política – Julho de 2025
INÍCIO
Nos Estados Unidos, a religião e a política têm uma conexão histórica profunda que se manifesta de forma intensa na vida pública contemporânea. Segundo o Pew Research Center (2020), cerca de 88% dos membros republicanos do Congresso se identificam como cristãos, muitos ligados a denominações evangélicas ou protestantes. Este dado revela como a fé é utilizada não apenas como convicção pessoal, mas também como ferramenta estratégica para angariar apoio eleitoral e moldar políticas públicas.
Mas até que ponto a religião expressa genuinamente a fé dos políticos, e em que medida ela serve como cabo eleitoral? Este artigo explora esse fenômeno, contextualizando o surgimento da Direita Cristã, a relação da fé com as eleições e as consequências políticas, sociais e éticas dessa fusão.
O nascimento da Direita Cristã: reação e estratégia política
A Direita Cristã, movimento conservador que une igrejas evangélicas e o Partido Republicano, ganhou força nos anos 1970. Essa reação se deu em resposta a pautas progressistas que alteravam valores tradicionais, como a legalização do aborto (Roe v. Wade, 1973), a expansão dos direitos civis e a diminuição do ensino religioso nas escolas públicas (Brookings Institution, 2018).
Líderes como Jerry Falwell e Pat Robertson foram pioneiros ao organizar a Moral Majority (Maioria Moral), uma frente política que buscava restaurar os valores cristãos na vida pública. Para esses grupos, os EUA eram uma "nação cristã" ameaçada pelo avanço secularizante, o que justificava uma ação política vigorosa para "resgatar" a identidade do país (PRRI, 2021).
A vitória eleitoral de Ronald Reagan em 1980 foi emblemática: a Direita Cristã demonstrou ser uma força política decisiva, incorporando a fé como elemento central da campanha. Desde então, religião e política passaram a caminhar lado a lado nos EUA.
Deus nas urnas: a fé como ativo eleitoral
Com o passar do tempo, o uso político da fé se consolidou como uma estratégia para mobilizar eleitores. Ex-presidentes como George W. Bush declararam publicamente que suas decisões eram guiadas por Deus, reforçando essa relação. Em seu governo, Bush chegou a afirmar que os EUA estavam em uma “missão divina” (divine mission) no Oriente Médio, misturando política externa com motivos religiosos (The New York Times, 2004).
Durante a administração Donald Trump, essa fusão atingiu novos patamares. Embora Trump não fosse conhecido por uma fé religiosa tradicional, ele conquistou o apoio de líderes evangélicos ao ser apresentado como “ungido por Deus” (anointed by God). Sua participação em cultos, uso de passagens bíblicas e defesa dos chamados “valores cristãos da América” (Christian values of America) fortaleceram sua base eleitoral (Pew Research, 2020).
Frases como “In God We Trust” (Em Deus Confiamos) e slogans como “America First, Under God” (América em Primeiro Lugar, Sob Deus) reforçam essa identidade nacional cristã, transformando o ato de votar em uma espécie de devoção espiritual para muitos eleitores.
A moral religiosa como pauta política
As pautas morais derivadas da fé cristã conservadora se tornaram centrais na política americana, influenciando diretamente decisões e debates em áreas-chave:
Aborto: A revogação da decisão Roe v. Wade em 2022 foi saudada como vitória da “fé conservadora” por grupos religiosos. Estados controlados por republicanos implementaram leis restritivas baseadas em interpretações religiosas da vida (OEA, 2024).
Casamento homoafetivo: Apesar da legalização nacional em 2015, continua sendo alvo de grupos que reivindicam “liberdade de crença” (freedom of belief) para negar serviços a casais LGBTQIA+, sustentando conflitos legais e sociais (Brookings Institution, 2022).
Armas: Setores religiosos defendem o porte de armas como “direito dado por Deus” (God-given right), uma mistura perigosa entre espiritualidade e violência. Políticos frequentemente exibem armamentos junto a símbolos religiosos em campanhas (PRRI, 2023).
Suprema Corte: A composição atual da Suprema Corte é marcada por juízes ligados a movimentos religiosos conservadores. Decisões jurídicas refletem essa influência, impactando a legislação em temas sociais relevantes (The New York Times, 2024).
A Bíblia, assim, deixa de ser apenas um guia espiritual e passa a ser usada como instrumento eleitoral e de legitimação política.
Teologia da Prosperidade e o nacionalismo cristão
A Teologia da Prosperidade (Prosperity Theology), que associa a fé ao sucesso material, ganhou popularidade e reforçou essa ligação política. Pastores como Joel Osteen e Kenneth Copeland alcançaram audiências massivas, ampliando o alcance dessa mensagem (Gallup, 2023).
Paralelamente, o nacionalismo cristão (Christian nationalism) — que vê os EUA como uma “nação escolhida por Deus” (chosen nation by God) — fortaleceu discursos que misturam patriotismo e religiosidade. Igrejas exibem bandeiras americanas junto a símbolos cristãos e moldam uma narrativa de missão divina para a política nacional (Council on Foreign Relations, 2024).
Esse contexto fomentou movimentos como o “Stop the Steal” (Parem o Roubo), que contestou o resultado das eleições de 2020 com base em profecias religiosas, culminando na invasão do Capitólio em 2021 — episódio marcado por cruzes e faixas com dizeres como “Jesus is my Savior, Trump is my President” (Jesus é meu Salvador, Trump é meu Presidente) (Pew Research, 2021).
Se quiser, eu já continuo daqui até o final do seu texto, mantendo esse mesmo padrão profissional de negrito e traduções sem alterar nada do conteúdo. Quer que eu finalize?
Consequências políticas e sociais da fusão fé-política
A mistura entre religião e política nos Estados Unidos tem efeitos diretos sobre a democracia, a polarização social e as políticas públicas.
Polarização social: A associação de identidade religiosa com filiação partidária intensifica divisões. Republicanos tendem a se identificar como cristãos conservadores, enquanto democratas apresentam maior diversidade religiosa ou secularização (Gallup, 2024).
Erosão do Estado laico: Ao colocar versículos bíblicos como justificativa para leis, a separação entre Igreja e Estado — princípio fundamental da Constituição americana — se enfraquece. Muitos políticos ignoram o First Amendment (Primeira Emenda), que proíbe o estabelecimento oficial de uma religião pelo Estado.
Influência nas políticas externas: Decisões militares e diplomáticas são, por vezes, legitimadas como parte de um plano divino. A guerra no Iraque foi emoldurada como “missão libertadora” (liberating mission) com base em valores cristãos (The Guardian, 2005).
Aumento da intolerância: Minorias religiosas, imigrantes e não cristãos passam a ser vistos como ameaças à “identidade nacional”. Isso gera discursos de ódio e políticas discriminatórias.
Eleições e a força do voto religioso
O voto evangélico branco (white evangelical vote) é decisivo em estados-chave como Flórida, Texas e Ohio. Segundo o Pew Research Center (2022), cerca de 84% desses eleitores apoiaram Donald Trump em 2020.
A influência religiosa é tamanha que candidatos adaptam discursos e agendas para agradar líderes religiosos. Participações em cultos televisionados, declarações de fé e promessas de legislar conforme “princípios bíblicos” se tornaram rotina em campanhas.
As redes sociais ampliaram esse efeito, permitindo transmissões ao vivo de cultos e discursos políticos com mensagens como “God Bless America” (Deus Abençoe a América) que viralizam entre comunidades de fé.
Críticas e resistência
Nem todos aceitam essa fusão entre fé e política. Grupos seculares e defensores do Estado laico denunciam o risco de um “governo teocrático” (theocratic government) nos EUA.
Organizações como a American Civil Liberties Union (ACLU) (União Americana pelas Liberdades Civis) e a Freedom From Religion Foundation (Fundação Liberdade de Religião) processam políticos e governos estaduais que misturam religião e legislação.
Além disso, líderes cristãos progressistas argumentam que a instrumentalização política da fé distorce a mensagem do Evangelho e cria uma versão nacionalista e excludente do cristianismo.
O papel da mídia na manutenção dessa narrativa
A mídia conservadora, especialmente canais como Fox News, reforça a ligação entre fé, moralidade e política partidária. Expressões como “War on Christianity” (Guerra contra o Cristianismo) são usadas para mobilizar indignação e consolidar uma base política unida.
Paralelamente, influenciadores religiosos no YouTube, TikTok e podcasts religiosos ampliam esse discurso, criando uma bolha informacional onde notícias são filtradas por uma ótica religiosa e ideológica.
O que esperar das eleições de 2026
Com a proximidade das eleições legislativas de 2026, a tendência é que o uso da religião na política aumente. Analistas preveem campanhas com ainda mais retórica religiosa, uso de versículos bíblicos e apelos emocionais a valores tradicionais.
Tanto republicanos quanto democratas devem disputar a narrativa de quem representa melhor a “moral” e “identidade” americana, mas a vantagem segue com o Partido Republicano, que mantém forte conexão com líderes e comunidades religiosas conservadoras.
Conclusão
A relação entre religião e política nos EUA é antiga, mas nunca esteve tão intensa e estratégica. O voto de fé não é apenas um ato espiritual, mas também uma escolha política capaz de definir o rumo de um país inteiro.
Se por um lado a fé pode inspirar políticas humanitárias, por outro, quando instrumentalizada, pode se tornar uma ferramenta de exclusão, intolerância e manipulação. O desafio está em manter o equilíbrio entre liberdade religiosa e a laicidade do Estado, preservando a democracia e a diversidade.
Fontes confiáveis:
Pew Research Center. Religion and Politics in the U.S. (2020)
Brookings Institution. The Christian Right’s Role in U.S. Politics (2018)
Public Religion Research Institute (PRRI). Religious Influence on American Politics (2021)
The New York Times. Faith and Politics in America (2004, 2024)
Council on Foreign Relations (CFR). Religion and U.S. Foreign Policy (2024)
Organização dos Estados Americanos (OEA). Religious Politics and Democracy (2024)
Análise
Explorando a relação entre fé e política.
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